Acredito que um dos fatores que faz alguém gostar de cozinha é a afetividade com que se foi, conscientemente ou não, inserido nela. Quem gosta de cozinhar geralmente inicia dizendo que aprendeu a gostar com a mãe, com a avó, com uma tia. Que ficava observando elas prepararem o almoço ou aquela receita de bolo. E comigo não foi diferente. Tenho referências muito fortes da minha mãe, que até hoje trabalha em restaurante, e acabo de me dar conta que tenho uma grande influência da minha avó paterna, a “Vó Magra” (sim, porque a outra é a “Vó Gorda”).
Ontem senti uma saudade imensa dela. Daquelas que dói o peito da gente e quando me dei conta estava chorando. Aquele choro que só a saudade sabe provocar. Não sei o que desencadeou sentimento tamanho, mas fiquei por um bom tempo pensando na sua figura e me lembrei de coisas muito interessantes e, que até então, eu não havia percebido. (Ô, divã! É por isso que adoro e faço análise!)
Então, como o pensamento da gente é uma coisa à toa lembrei...
... primeiramente do lugar onde meus avós moravam e onde passei boa parte da minha 1ª infância. Era aqui mesmo em Gravataí, num pequeno sítio onde meu avô plantava e criava umas galinhas. Lembro de terrenos cheios de pés de aipim, milho e algodão. Tinha um pomar com muitas laranjeiras e até hoje sinto o cheiro do suco que ele fazia para nós. Neste pomar havia pecan, que eu catava no chão e quebrava com uma pedra; uva japonesa, com seu cheiro doce, doce; morangos silvestres, que minha avó plantou num tanque antigo; um enorme, enorme, enorme abacateiro que era um perigo ficar debaixo com o risco de levar um abacate na cabeça. Mas era ali que tínhamos uma casinha de bonecas. Na verdade era a casinha do cachorro que provavelmente foi expulso pela minha prima e eu. Ah, nas laranjeiras eram escondidos nossos ninhos de Páscoa e tudo era festa. Lembrei de uma casinha, um anexo onde minha avó tinha um forno campeiro. Meu deus!!!!!! Eu não lembrava mais disso! E me recordei do dia (Jesus, eu tinha uns 5 anos!) que ela fez biju. Eu me lembro disso! Lembro do cheiro, lembro dos movimentos dela, do calor daquele forno. Lembrei da laranjeira onde muitas vezes fizemos almoços de domingo. E se não comíamos em sua sombra a sesta certamente seria ali. Uma outra lembrança: meu avô com chapéu de palha debulhando feijão debaixo dela. Ou ainda, o molho de sardinha para a pizza que era presença garantida. Toda vez que chegávamos lá antes do almoço, a vó nos recebia com um pãozinho com o resto do molho da pizza que já cheirava no forno (até hoje, qualquer molho vermelho acabo surrupiando um pouco para comer com pão). Ah, a maionese caseira que ela fazia num prato e deixava “a rapinha” e que sempre ficava para minha prima Tati. Eu era do molho a Tati da maionese (taí, vou apelidar ela de Tati Maionese, uma alusão ao Doug). Sem contar ainda o poço no meio da casa onde habitava o Bicho Papão e o porão que era a outra morada dele (putz, eu morria de medo e de curiosidade de entrar ali), o cheiro de terra molhada quando chovia naquela terra vermelha e até mesmo os beliscões da nossa tia, até então solteirona, que não queria que a gente sujasse a casa.
Sentiram o fluxo de consciência?! Gente, isso são lembranças de uma criança de 05, 07 anos de idade, pois meus avôs saíram de lá em 1988. Eu acho, não tenho certeza. Nossa! Como me marcaram!
Então tentei me lembrar das comidas que minha avó fazia e lembrei mais dos doces. As compotas de frutas: pêssego, figo, coco, uva verde e a mais saborosa e amarga de todas, a de casca de laranja, que lembro ser bem trabalhosa. E se hoje sempre olho para os potes de vidro com segundas intenções, a culpa provavelmente é dela.
Mas tem um bolo que é “aquele” que todos lembram e ficam nostálgicos que é o bolo de arroz com cravo da índia. Se há alguma receita para ser associada à Dona Almerinda sem dúvidas é este bolo.
Ela faleceu em 2007 com mais de 90 anos e não deixou receita alguma, até porque era analfabeta, mas também porque não gostava de revelar muito, não. Já tentei fazer algumas vezes através de relatos da minha tia e o resultado sempre fica muito inferior ao dela, mas hoje decidi fazer na tentativa de amenizar a saudade que está aqui no meu peito.
Talvez eu até acerte, mas com certeza a memória afetiva e a saudade são os temperos que fazem o bolo feito por ela ser insuperável.
Bolo de arroz e cravo da Vó Almerinda
Ingredientes
01 xícara de arroz
02 xícaras de água
02 colheres (sopa) de óleo de sabor neutro
1 ½ xícara de açúcar
½ xícara de farinha de trigo
04 ovos
3 colheres (sopa) de cravos da índia
Cozinhe o arroz nas duas xícaras de água. Enquanto isso triture os dentes de cravo. Pode ser no pilão ou ainda numa trouxinha que será batida. Numa tigela bata os ovos com o açúcar e o óleo. Quando o arroz estiver cozido e morno junte ao composto de ovos. Vá acrescentando aos poucos a farinha. Junte os dentes de cravos. Misture bem para o sabor do cravo incorpore à massa. Coloque em uma forma untada e leve ao forno baixo (180º) por aproximadamente 1 hora.
Muito boa a foto! !
ResponderExcluirAiiiiii !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! que saudade dessa vó que eu AMAVA tanto ....
ResponderExcluirDeixou muita saudade ...
Sim, Lari, muita saudade. Beijos e mais beijos.
ResponderExcluirKarma, karma, karma...
ResponderExcluirHã?
ResponderExcluirMar de mineiro
ResponderExcluiré cozinha
mar de mineiro
é avó doceira
Lembro também da minha
na sombra da goiabeira
panela de cobre quentinha
da goiabada cascão mineira
que só ela (daquele jeito) fazia.
Minha lembrança e a tua
vieram de longe se encontrar.
Que lindo relato Carlinha, que soube expressar tão bem,quase chorei, pois também tenho minhas lembranças. Enquanto lia me veio à memória uma tal história do "Chá de brasas", que qualquer dia eu conto para os amigos lá do blog.
ResponderExcluirBjs