Quando optamos em estudar uma segunda língua é porque existe uma identificação com este idioma. Se indagados, muitos estudantes dos cursos de Letras – Inglês, por exemplo, dirão que a ligação através da música auxiliou ou permeou a escolha da ênfase do curso. Para os que optam pelo francês talvez o cinema ou ainda a sonoridade elegante das palavras pronunciadas tenham chamado a atenção. O russo pode ter sido revelado através da obra de Dostoiévski. O espanhol dado pela proximidade dos países hermanos. Estas podem ser, além da facilidade de escrever e o amor à literatura, as motivações primeiras dos estudantes que buscam o curso de Letras. E, uma vez dentro do curso, as motivações e as identificações estão em constante mudança, pois a partir do momento em que nos inteiramos de uma língua nos inteiramos de sua cultura e essa imersão faz com que os interesses adquiram novas nuances. Música, literatura, gastronomia, arte, história, sociologia, linguística e por que não gramática, estão sempre num movimento de revelação e devemos aproveitar o que elas nos oferecem e de acordo com nossos interesses.
E o que dizer de um idioma que tem uma das culinárias mais difundidas pelo mundo? Digamos que um prato cheio para quem gosta de cozinha e mais: uma ótima ferramenta para aquisição de vocabulário e de conhecimento sócio-cultural, no caso, da Itália. É como juntar o útil ao mais que agradável.
Quando pensamos em Itália logo nos remetemos à comida, talvez pela familiaridade dada pela imigração no estado e a difusão da macarronada, da polenta, da pizza e do vinho, talvez porque seja uma culinária muito simples (mas não menos sofisticada) e com ingredientes geralmente de fácil acesso, muito universais.
Recorrer a livros de culinária italiana e praticar as receitas é um ótimo exercício para que haja progresso na aquisição deste idioma. É mais que afetivo (fator importante neste processo), é sensorial, gustativo, aromático e foi desta maneira que achei a fórmula perfeita para aprender italiano.
Tudo começou com o livro Tavola in Italia. Um livro provavelmente dos anos 80 que ilustra cada região italiana através de sua geografia e produção agrícola e culinária. Começa em Piemonte, considerado por muitos o grande reduto gastronômico do país, e termina em Sardenha. Montanhas, vales, mares, campos, vinhedos, queijos e suas infinitas variedades, vinhos, pães, frutas, verduras, molhos, tipos de peixe, trufas, carnes, caldos, cogumelos, tipos de água, conservas, massas, doces (ah, os doces!). Uma infinidade de palavras que eu, no segundo semestre do curso, mal conseguia pronunciar. Uma infinidade de termos, terminações, tipologias que eu fiz questão de aprender.
São vinte as regiões italianas, cada uma com um infinito de particularidades, ou seja, muito léxico para ser conquistado. Então, mão na massa: comecei a procurar receitas em italiano e a traduzi-las para poder realizá-las. Virou obsessão, pois longe do que pensamos da massa nossa de cada dia e da polenta, a culinária italiana é muito mais ampla. O uso de ervas que aqui no Brasil não utilizamos para cozinhar, ou partes de verduras aqui dispensadas como folhas de beterraba (barbabietola!!!! Palavra que adoro em italiano!) lá são usadas em sopas e caldos. Ou ainda o funcho (erva doce), muito utilizado aqui como chá, aprendi com os cuochi que o seu bulbo é uma delícia na salada ou feito no forno. Aliás, funcho em italiano é finocchio que também é como são chamados os homossexuais masculinos na Itália. Ainda não consegui associar... vá saber as motivações pragmáticas de um idioma!
E as descobertas são diárias. Fiquei surpresa quando descobri que a mostarda utilizada no recheio dos tortelli nada tem a ver com os grãos ou o molho de mostarda que estamos habituados, mas sim uma compota picante de fruta, geralmente de maçãs ou peras, condimentadas com grãos de senape (agora sim, mostarda). Ou seja, os falsos cognatos também atacam a cozinha e podem resultar num desastre gastronômico.
Os verbos impastare, mescolare, setacciare e claro, mangiare fazem parte do meu aprendizado cotidianamente.
O mais interessante em focar o aprendizado na gastronomia de um país é que as receitas não são isoladas. Acontecem porque existe uma natureza específica, uma geografia, um solo, um modo de trabalhar a matéria-prima. Existe uma antropologia atrás de cada prato e a sabedoria de um povo nos seus costumes à mesa e buscar estes traços certamente é um belo exercício linguístico que vai além da expectativa de aprender um bocado de palavras. O único problema é que se não controlado há aquisição de, não só uma língua, mas também de uma pancia! Mas isso é só um detalhe...
Adorei o texto Carla e concordo plenamente com tudo o que disseste. Tb tenho gostado de cozinhar, e qdo a gente faz pra quem ama melhor ainda né...Qto a um idioma, o principal é fazer como fizeste tu, associà-lo a algo de que gostamos. Isso facilita em muito nosso aprendizado, tanto na rapidez qto no prazer que temos em aprender esse novo idioma através de algo saboroso, por exemplo. No meu caso, tanto o frances e como o italiano aprendi por amor à musica e às viagens.
ResponderExcluirAh, viaggiare, Dio Santo mi piace da morire!!! e le musiche sono il mio mottore, funziono molto meglio qdo ascolto una musica che me piace, e lo faccio tutti i giorni, mi alzo e la radio comincia la giornata con me...
Carla continue escrevendo belos textos e cozinhando receitas deliciosas...Buona fortuna!
Bacione,
Liziane.
Oi, Lizi! Obrigada pelo visita e pelo comentário! Associar um prazer à aquisição de um idioma fica mais afetivo, logo, mais fácil de ser assimilado e assim que é bom! Beijos!
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