A ideia surgiu da
dor. Na verdade de uma ressaca.
Na virada de
2017/18 fiz a promessa de atentar à alimentação e à bebida no ano que se
iniciava, promessa clássica e ingênua. Já
no dia 06.1 mergulhei na jaca e de lá voltei três dias depois. Que ressaca! Foi
ali que me dei conta dos 40 anos que se aproximam. Eu não tenho mais o
metabolismo e a saúde dos 20, ficou muito claro que as coisas mudaram. Quando consegui sair da cama me olhei no
espelho e, além de acabada, eu estava magra, vazia (leia-se: murcha), trabalhada
só em sucos e caldos quentes. Ali decidi dar uma “resetada” e começar a cuidar,
de fato, da alimentação.
Assim, desde
janeiro, tenho procurado almoçar em casa preparando meus pratos com muito
carinho e atenção e me colocando à prova dos ingredientes que tenho a
disposição, todos muito cotidianos. Vez ou outra aparecem ingredientes mais
chiques ou exóticos, mas são raros. A ideia é cozinhar com ingredientes comuns
e sem carne.
Sopa creme de cabotiá e páprica + batata doce (abóbora assada no fogão a lenha e tostada no óleo de gergelim) + salsa e pimenta.
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Não vou entrar em
questões do vegetarianismo e sua ética cada vez mais necessária de ser ouvida, pois não sou
vegetariana, logo não tenho propriedade para falar
sobre. Eu apenas decidi reduzir o consumo
por vários motivos, sendo um deles a banalização da carne. Obviamente não estou
falando do churrasco de domingo ou do hambúrguer na sexta-feira com os amigos.
Estou falado do hábito de comer carne todos-os-dias.
Um dia,
conversando com um amigo italiano, ele me falou algo sobre a sacralização
daquilo que comemos, principalmente a sacralização da carne. Achei interessante
a ideia, pois diz muito sobre o respeito e a atenção àquilo que ingerimos. Ele
não é vegetariano, nem budista, muito menos vegano. Ele vem de uma cultura
alimentar diferente e era sobre isso que falávamos. Essa conversa aconteceu
quando explodiu o escândalo da Operação Carne Fraca e que apresentou para o
Brasil inteiro o esquema da carne brasileira. Comecei a diminuir mais ainda,
mas sem ações incisivas. Na verdade, pensando bem, minha relação com a carne
mudou muito desde que saí da casa dos meus pais e comecei a conviver com
hábitos alimentares diversos... Mas enfim, o que quero dizer é que já estava
querendo reduzir mais ativamente o consumo de carnes fazia algum tempo e achei
a oportunidade.
(Antes de
continuar gostaria de dizer que reconheço as minhas vantagens: meu marido
almoça fora a semana toda e também não temos filhos. Ou seja, minhas escolhas e
práticas culinárias dizem muito respeito a mim. São as minhas necessidades e
são os meus gostos. Fica infinitamente mais fácil adotar uma nova conduta
alimentar quando não se tem a responsabilidade de alimentar mais alguém. No meu
caso, nos almoços da semana, que julgo a principal refeição para um adulto.)
Muita gente tem
me perguntado como me organizo para comer todos os dias coisas diferentes e a
resposta é: não tenho uma “organização organizada”. Isto é, não tenho tabelas
ou dias certos para fazer as coisas. Não costumo me dar muito bem com regras,
rotinas, disciplina, então, a coisa é mais para o caos organizado mesmo.
Mix de folhas temperado com churna + salada de abacate (abacate, cebola roxa, tomate, salsa, limão) + rosti de aipim + ovo mole.
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O que procuro ter
é uma atenção especial aos ingredientes que compro, fazendo um mínimo
planejamento mental, ainda na feira ou no supermercado, do que posso preparar
com eles, principalmente as verduras e as frutas, que só compro se terei a
possibilidade de usá-los durante aquela semana... Mas que, se por acaso alguma
fruta estiver passando do ponto ou, por exemplo, os tomates ficando feinhos, eu
os congelo.
Aprendi a usar o
congelador como forma de 1) desperdiçar menos comida e 2) ter sempre à mão uma
alternativa de almoço/janta para não cair na tentação da tele-entrega. E aqui
começam as minhas dicas.
Use o congelador.
Sei que muita gente ainda vê o congelamento com maus olhos, como se ele
desinstituísse o alimento de todas as suas qualidades. Um alimento bem feito e
armazenado da forma correta tem grande prazo de validade e é uma mão na roda
para quem gosta de se alimentar adequadamente, mas tem uma vida corrida ou
apenas preguiça mesmo.
Assim, eu costumo
cozinhar grãos e congelar. Já que vou cozinhar mesmo, cozinho o pacote inteiro
e separo em potes que podem atender duas porções. Faço isso com as variedades
de feijão (geralmente preto, carioca e branco), grão de bico, lentilha e arroz
integral.
Creme de feijão branco (alho, cebola, tomilho, sal, pimenta)+ couve-flor com páprica (páprica defumada, óleo de gergelim tostado, sal, pimenta, azeite - forno 20min).
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Para quem está
num processo de redução do consumo de carne como eu, o uso de grão é
aconselhável, pois são fontes de proteínas, carboidratos e vitaminas, e o
preparo de pratos com eles tira aquela sensação de que estamos comendo “só salada”.
Então, quando cozinho 1kg de feijão, uso um pouco no dia e congelo o restante.
Quando bate a vontade, descongelo e tempero do jeito que gosto. O mesmo
acontece com o grão de bico que acabo utilizando de várias formas: “hambúrgueres”,
homus, saladas, vinagretes.
O fato de ter
algo semipronto à disposição já é um excelente caminho para mudar os hábitos
alimentares. Associe a isso um pouco de criatividade e ouça a sua intuição na
hora de cozinhar. Culinária doméstica não precisa ser presa a receitas
elaboradas, complexas. Experimentos gastronômicos a gente deixa para outro
momento. O barato (e o tédio) da cozinha cotidiana é exatamente transformar os
ingredientes já tão conhecidos da nossa cultura alimentar em outras texturas,
apresentações, gostos, combinações.
Querem um
exemplo? Arroz. O arroz nosso de cara dia. Eu aprendi a comer o integral faz
tempo, mas que comecei a gostar foi ontem, e tenho me divertido com a possibilidade
de fazer dele algo saboroso. Como? Adicionando outros ingredientes que gosto.
Arroz integral para mim combina muito com cebola refogada até dourar. Retiro o
arroz do congelador e coloco no micro-ondas enquanto faço o refogado: 1 cebola média
picada, frigideira com azeite em fogo baixo. Quando a cebola está bem dourada,
adiciono um dentinho de alho, mexo, acrescento o arroz quente e algumas folhas
de espinafre ou ora-pro-nóbis, abafo com uma tampa e deixo ali enquanto preparo
um ovo mole. Taí, baita almocinho. Às
vezes, ainda coloco amendoim ou lentilha. Sempre carrego em tempero verde,
principalmente salsa, que eu amo.
Sei que tenho o
olhar técnico sobre o preparo dos alimentos e a habilidade de cozinheira, e
isso facilita muito, claro, mas sei também que um pouco mais de atenção sobre
seus gostos e práticas podem ajudar muito. Perguntas como: O que eu gosto de
comer? O que estou disposto a abrir mão? O que estou disposto a incorporar?
Esses se encaixam num modelo de cozinha saudável? Quais sabores me deixam
alegre, me satisfazem? Quais são as misturas que posso fazer com isso? Eu
quero/gosto de cozinhar?
O importante é abrir-se às possibilidades de preparos: você precisa muito mais de inspiração e técnica do que
ingredientes elaborados. Ou seja, às vezes você vai abrir a geladeira e ver que
tem 1 cenoura e 1 ovo...Mas vai sacar que deles pode obter um bom omelete ou
uma salada de cenoura cozida com ovo ou ainda cenoura grelhada e ovo mole.
Gazpacho (3 tomates maduros s/ pele s/sementes, 1 pedaço de pimentão vermelho, 1/2 pepino, 1/2 dente de alho, 1 fatia fina de pão, 1 colher sopa de balsâmico, azeite, sal, pimenta e liquidificador!).
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“Ah, Carla, mas
eu não sei usar temperos!”. Experimente e ache a sua dose.
Eu agora que me aproximei
do coentro, mas sei que gosto dele somente em dois preparos: ceviche e guacamole.
Então não forço em outros pratos e assim quando como, adoro, é único e
especial. Sim, eu fico feliz quando consigo comer abacate com coentro, da mesma
forma que fico feliz e satisfeita quando uso cominho. Cominho! Comecei a usar de
verdade em 2018 e já saquei o poder que ele tem de transformar um ensopado de
legumes, por exemplo.
Outra dica que
gostaria de compartilhar é: não jogue comida
fora. Aquele restinho de arroz de hoje pode ser uma fritatta amanhã. As duas rodelinhas de tomate da salada podem ser o
vinagrete da salada da noite e aqueles legumes salteados com shoyo podem ser,
vejam vocês, a cobertura para um bruschetta
no lanche. Fatias de pão com legumes é a maior prova de que há mais coisas
entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia culinária.
Mas claro, né
gente, não adianta acumular um monte de potinhos na geladeira e não usar. Daí
não vale. A ideia é aproveitar tudo, inclusive o tempo. Se você parou para
guardar um pouco de alimento, não faz sentido ele ser esquecido na geladeira e
ser jogado fora 10 dias depois, podre. Lá se foi o seu tempo de cozinhar,
guardar, jogar fora, lavar o pote. Além do mais, ter um monte de potinhos sem
saber o que tem dentro é uma cilada. Às vezes mais atrapalha do que ajuda. Ou seja,
é necessário ser coerente, e quando estiver armazenando a sobra já pense no que
ela vai se transformar. Muito Marie Kondo, eu sei, mas é mais ou menos isso.
Polenta de grão de bico+ ragu de ora-pro-nóbis + pesto de agrião.
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Costumo sempre
ter berinjelas em casa e, muitas vezes, acabo não usando, e quando vou ver estão
um tanto murchas. Quando isso acontece, para não perder, corto elas ao comprido
e coloco na chapa de ferro para que tostem. Faço isso enquanto preparo o almoço
ou lavo a louça. Assim, tiro toda a polpa e armazeno com azeite. Não perco o
ingrediente e já alinho que ela pode estar na próxima refeição. Pode ser um quibe
ao forno, um recheio para sanduíche ou ainda um refogado para acompanhar o
arroz. Outra coisa são as folhas verdes tipo rúcula, agrião, radite. Não vai
dar tempo de consumir tudo? Essas folhas amargas podem ser usadas como pesto.
Bata no liquidificador com azeite, alho, sal, pimenta (queijo e nozes, caso
tenha) e armazene. O pesto dura dias na geladeira e pode salvar aquele
espaguete no meio da semana, pode servir como tempero para queijos, para molhos
de salada, para cobertura de pizzas... Enfim, são apenas dois exemplos de como
ter um olhar mais clínico sobre as possibilidades dos produtos que estão em
nossa casa.
Em relação às
compras o que acho importante apontar é que você deve ser realista quanto às
suas possibilidades e vontades. Vou estar em casa o suficiente para cozinhar
tudo que estou pensando em comprar? O que eu gostaria de comer? Eu gosto disso
que estou levando? O que tenho em casa combina com o que estou levando? Não
acho interessante fazer compras de comida automaticamente. Faça uma lista e
quando estiver na feira/supermercado já vai pensando o que preparar com cada um
dos ingredientes que estão nela. Isso é garantia de compras mais conscientes e
da criação de um repertório. Quando você utilizar tal ingrediente já sabe mais
ou menos o que fazer dele. Pegou uma moranga? Já pense que ela vai proporcionar
alguns preparos: assada, creme, nhoque, quibebe, quisada... Se for comprar um
ingrediente que você nunca usou, mas quer testar, pesquise em sites e em
livros. Você vai achar a inspiração. Ah, e dê preferência ao que está na
estação. Nada melhor que melancia no verão e bergamota no inverno.
Omelete de ricota (ovo, ricota, noz moscada, cebolinha) com base de batata + maçã verde com pesto + agrião.
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O ideal é
investir em ingredientes versáteis. A manga pode ser consumida na salada, como
suco, sorvete ou lassi. Agrião vai super bem no suco verde, não só na salada. Tomates,
ah céus, o que seria de nós sem os tomates? De molho a guazpacho, de salada a
suco... Eu sou a louca do aipim e dele faço horrores: cozido com molho de
tomate; cozido e comido com manteiga de garrafa; se sobrou faço um purê e tosto
na frigideira, virando para que ambos os lados fiquem bem dourados, e no
inverno creme de aipim com outros legumes tostados é um prato tipo cafuné de
pessoa querida.
É isso que tenho
praticado na minha cozinha há um ano e tenho gostado muito. Primeiro porque me
tirou da zona de conforto, segundo porque perdi muito peso, terceiro porque
tenho comido coisas muito boas e não raras vezes almoço muito feliz com meus
preparos. É uma boa maneira de começar a segunda parte do dia, garanto.
Se você está
pensando em mudar algum hábito alimentar, comece. Simplesmente comece, mas sem
piração. Não ache que você precisa de um curso profissional para cozinhar bem,
não pense que precisa ter milhares de utensílios bacanas para cozinhar bem, não
pense que uma geladeira cheia é sinônimo de comer bem. Sem muitas cobranças
você vai achando a sua maneira de cozinhar e de comer que mais atende o seu
objetivo.
Feijão mexido+ salada de rúcula, alface, repolho roxo e laranja.
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Que maravilha! Meu sonho é comer seus almoços! Arrasa! Parabéns pelo blog.
ResponderExcluirDelícia de leitura e de refeições, estão sempre lindas e apetitosas! Também reconheço suas vantagens, rs...mesmo assim podemos, mesmo que devagarinho mudar hábitos negativos na cozinha. Obrigada pelas dicas, tão claras e positivas! Bjo
ResponderExcluirAh, adorei o texto, eu sempre acompanho você desde que encontrei o Blog há alguns anos atrás e fui salvando as receitas igual uma maluca hehehe. Tento fazer isso, aplicar na rotina a mudança dos habitos e embora seja mais difícil, (tenho a pequena e ainda, preparar no almoço do dia, o almoço do dia seguinte para o marido levar para o trabalho). É bem difícil, eu não sou apegada a carne, ele sim... Mas já plantei a sementinha, daqui a algum tempo ela dá frutos.
ResponderExcluirBeijos Carla!
Adorei o texto, pois estou na mesma situação quanto à idade e quanto a programar melhor a alimentação, sem neuras, mas com mais consciência também.
ResponderExcluirObrigada por retomar o blog e parabéns!
Até a irmã chata aqui, que agora não é tão chata assim, se rendeu as cores e sabores dos pratos vegetarianos! Amei!
ResponderExcluirEste texto está absolutamente inspirador e muito honesto!
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