Eu sei, esta receita deveria estar aqui há pelo menos uma semana. A Páscoa passou...Passou com a minha pastiera na geladeira descansando, pois fizemos ela na sexta-feira. O fato é que ela ficou super feia e eu estava decidida a não postar. Sim, quebrei as bordas na hora de desenformar, ela não ficou tão assada quanto deveria e eu acabei perdendo o tesão de compartilhar aqui com vocês.
Acontece que ontem recebi uma visita querida no meio da tarde e decidi, enfim, encarar a pastiera. Cortei para comer com um cafezinho passado e... ficou maravilhosa! Ok, vamos deixar a vaidade de lado, tentar fazer uma boa foto e ser muito sincera sobre as coisas que eu não deveria ter feito na receita.
A ideia de fazer a tradicional torta de Páscoa de Nápoles veio do contato da jornalista Beatriz Albertoni da revista Prazeres da Mesa que me convidou para falar um pouco sobre esse doce muito querido na Itália. Há anos eu fiz uma postagem sobre e decidi que estava na hora de dar uma atualizada. Aqui estamos.
A Pastiera di Grano ou Pastiera Napoletana é um doce pascal típico de Nápoles, cidade da Campânia, região do sul da Itália e, embora uma tradição cristã, a sua origem tem raízes nas culturas pagãs.
A lenda conta que a pastiera nasce do culto à Partenope, a sereia de voz doce que escolheu o Golfo de Nápoles para morar. No início da primavera a sereia emergia das águas e saudava a população com seu canto. Como agradecimento por tamanha beleza ofertavam a ela sete dádivas: a farinha, símbolo da riqueza; a ricota, símbolo de abundância; os ovos, representando a fertilidade; o trigo cozido em leite, simbolizando a fusão do reino animal e vegetal; a flor de laranjeira, o perfume da região; as especiarias, como homenagem a todos os povos e o açúcar, para celebrar a doçura de seu canto. Partenope – que é também o antigo nome de Nápoles- grata com a demonstração, decide misturar todos os ingredientes, criando assim, a pastiera.
Outra versão alega que as mulheres dos pescadores da região faziam oferendas ao Deus Mar com tais ingredientes para pedir que seus maridos retornassem vivos do trabalho. E que, dos ingredientes misturados pelas ondas, nasce a pastiera.
Como comumente acontece com as tradições culinárias é muito difícil precisar sua origem ao longo dos tempos. As versões são muitas e as interferências várias, mas é possível que a pastiera tenha nascido da festividade pagã em homenagem à primavera, onde cada um dos ingredientes carregava a sua simbologia como a fertilidade, a renovação e a fartura e que, séculos mais tarde, foram incorporadas pela cultura cristã como símbolos da Ressurreição.
Na versão cristã a pastiera, assim como tantos outros doces napolitanos, teria sido criado dentro de um convento, no caso, o convento de San Gregorio Armeno, ainda no século XV. Teria sido uma freira a juntar os ingredientes carregados de significados e a preparar a pastiera no período da Páscoa para presentear as famílias nobres e aristocráticas de Nápoles. Conta essa versão que os empregados que buscavam as tortas para entregar a seus patrões ficavam inebriados com o aroma do doce e que, para essa pobre gente – que não comeriam a especialidade – o perfume que tomava conta das ruas era a própria presença do Senhor.
Da mesma forma que é difícil localizar a origem precisa de um prato de tradição antiga, é também difícil precisar a receita autêntica. Os ingredientes, as quantidades e os tipos de cocção podem mudar ao longo dos séculos ficando impossível ter acesso à verdadeira pastiera. O que temos é a receita clássica que pode sofrer pequenas modificações de localidade para localidade ou de família para família.
A receita clássica
A base da pastiera é a massa podre doce (pasta frolla), feita com farinha, ovos, açúcar, banha ou manteiga, disposta em uma forma de alumínio (tortiera) de bordas lisas e altura de 3-5cm. O recheio é uma mistura aromática de leite, açúcar, ricota de ovelha, grãos de trigo, manteiga, frutas cristalizadas, ovos, baunilha, raspas de casca de laranja e limão, canela em pó e água de flor de laranjeira. Sobre o recheio, tiras de massa. Depois de assada, a pastiera recebe açúcar de confeiteiro para finalizar.
Uma das grandes mudanças que aconteceu ao longo da história da pastiera recai sobre o grão de trigo. Antigamente os grãos eram deixados de molho em água morna por 15 dias depois cozido no leite aromatizado com as cascas dos cítricos e a baunilha. Hoje a prática é utilizar o trigo já cozido, abreviando o tempo de preparo. Algumas receitas pedem que depois de cozido os grãos devam ser triturados, outras pedem que sejam mantidos inteiros, e tem aquelas que optam pelo caminho do meio, triturando metade dos grãos e deixando a outra parte inteira. A canela é facultativa em algumas receitas e obrigatória em outras. Também já encontrei receitas em que a ricota é misturada em creme de confeiteiro e não somente em ovos. Algumas variações são mais drásticas e utilizam a cevadinha ou ainda o arroz como substituição ao trigo. Mas tem uma particularidade da pastiera que é unânime: se preparada em casa, deve ser feita na Quinta-Feira Santa (Giovedì Santo) para ser consumida no domingo de Páscoa, tempo suficiente para que todos os sabores se misturem harmoniosamente.
Como é um doce emblemático de Nápoles é encontrado facilmente nas confeitarias da cidade durante todo o ano.
__________________________________________________________________________
Pastiera di Grano ou Pastiera Napolitana
O trigo que usei foi o farro (trigo espelta), um trigo muito antigo, mas resgatado nos últimos anos por seu alto valor nutricional e sabor aromático.
Ingredientes
Pasta Frolla
02 ovos em temperatura ambiente
100 gramas de açúcar
100 ml de óleo - soja, milho, girassol
05 gramas de fermento químico
350 gramas de farinha de trigo
Em uma tigela misture os ovos e o açúcar. Acrescente o óleo e o fermento e misture com um garfo, incorporando a farinha aos poucos. Quando começar a ficar consistente passe a massa para a mesa de trabalho e sove até resultar uma massa homogênea. É possível que você precise de um pouco mais de farinha. O resultado deve ser uma massa untuosa, lisa, brilhante e quebradiça. Envolta em plástico e leve para a geladeira.
Recheio
450 gramas de trigo cozido
350 ml de leite
300 gramas de açúcar
01 colher (chá) de canela em pó
Raspas da casca de 01 laranja
450 gramas de ricota - tem receita aqui - Dois litros é o suficiente para fazer 450gr. de ricota
03 ovos - gemas e claras separadas
80 gramas de frutas cristalizadas - usei cidra e laranja
03 colheres (sopa) de água de flor de laranjeira
Açúcar de confeiteiro
Em uma panela coloque o trigo, o açúcar, o leite, a canela em pó e as raspas de laranja. Leve ao fogo baixo, mexendo sempre, até o leite reduzir e virar um "creme" consistente. Mas não, o trigo não deve desmanchar. A ideia é que todos os sabores se misturem ao trigo. Retire da panela e coloque em uma tigela para que esfrie.
Bata as claras em neve, passe a ricota por uma peneira e, caso as frutas cristalizadas sejam grandes, pique em pedacinhos.
Pré-aqueça o forno a 180ºC.
Quando o trigo estiver frio, acrescente a ricota e as gemas. Misture bem, adicione as frutas cristalizadas e a água de flor de laranjeira. Misture para incorporar tudo e, delicadamente, misture as claras em neve. Reserve.
Abra a massa - mais ou menos uns 3mm- e disponha em uma tortiera/forma redonda de 26cm até às bordas. Coloque o recheio cuidando para que sobre espaço para crescer, ou seja, cuide para não encher demais a forma e ela transbordar. Com o calor, este recheio infla.
Com o restante da massa, faça umas tirinhas e coloque na superfície para dar um acabamento bonitinho e para ficar com aquela cara de torta.
Asse em forno pré-aquecido a 180ºC por 1h. Baixe a temperatura para 150ºC e deixe mais uns 20 minutos. Se achar necessário, ligue o dourador do forno por mais alguns minutinhos.
Retire do forno e deixe esfriar antes de desenformar. Coloque em um prato e, de preferência, consuma um ou dois dias depois. Eu coloquei na geladeira, pois ainda está calor por aqui.
O que eu não fiz e deveria ter feito & Dicas:
Fiquei com receio de que ficasse seca e acabei deixando apenas 1h no forno. Faltou atenção. A massa deveria ter ficado mais dourada, principalmente a base. O recheio deveria ficar um pouco mais consistente, mesmo assim, eu gostei, pois ficou bem úmido.
Quanto ao acabamento, eu inventei de fechar a torta cobrindo toda a superfície. Não fiz os detalhes corretos e ela ficou meio feinha, desleixada. De novo, falta de atenção. Aconselho a usar as tiras de massa para fazer aquelas "gradinhas" na superfície. O recheio que aparece fica bem dourado e a massa mais clarinha. Um amor.
A ricota você faz em casa uns dois dias antes. A receita que deixei para vocês é bem fácil e é ótima para doces.
Se você gostou do post comente e compartilhe com seus amigos. Me siga nas redes sociais para acompanhar minhas peripécias na cozinha e na vida e se inscreva no blog para receber todas as atualizações.
Receita riquíssima, deve ser mesmo maravilhosa e fiquei imaginando a textura e o sabor. Esporadicamente sou desatenta ou negligente ao preparar uma receita, depois me arrependo. ;(
ResponderExcluirBjo e bom fds
Estava curiosa pra saber que trigo vc usou.agora vou testar
Excluir